domingo, 19 de setembro de 2010



Às vezes cansa e entristece tanto, viver num mundo mutilado.
Enxergar os pedaços, fazer um telefonema para um tronco, tomar uma cerveja com meio rosto, apertar as mãos de uma canela, sentir o abraço idiota de um joelho com aquele cheiro de pele lixada pela continuidade.
Não é arrogância, se fosse, eu a usaria pra me sentir menos assustada e sozinha.
É só mesmo a busca de me formar pelos outros ou me ver neles, nunca sei o peso da troca, e nem se é justa. Mas é tão de verdade que não se pode dizer arrogância ou loucura.
Na pressa de juntar tudo pra ver de uma vez só e me enojar menos, na pressa de juntar tudo pra ser de uma vez só e sentir menor o silêncio de ser uma parte que nem em si tem companhia, vejo o mundo como os desenhinhos que fazemos no cantinho de um bloco.
Dar certo é questão de segundos, sentir é questão de segundos, sempre a um passo de ser melhor e sentir pra valer. E a sensação deliciosa de dormir só e em silêncio mas junto com o mundo inteiro. Quero SER, sem ter gente pra encher o saco, mas quero SER junto com todo mundo que é. Se isso ocorrer esse segundo antes de dormir, isso sim é dormir. O resto é desculpa pra continuar mais tarde, varrendo o chão do inferno, o chuá, chuá do cérebro que brinca de lixeiro mas é só o chuá, chuá da repetição. A poeira fica, só nos enganamos chutando o que somos cada hora para um lado.
Como assusta o instante em que qualquer enrolação não é suportável e vemos, da janela, do carro, da mesa, da porta, de nós, as pernas correndo sem cabeça, as cabeças se dando sem mãos, os pés chutando sem estômago, as tripas acariciando sem pulso.
Quando cansa e entristece, os amigos dedos com anel, os amigos cintura com cinto, os amigos orelha com cabelo liso atrás, os amigos calça antes de encostar no calcanhar. O que me mantém em pé apesar da falta de corpo é a saudade de algo encaixável e inteiriço, é a curiosidade e a fé em algo encaixável e inteiriço. O que me mantém em pé é perseguir um corpo, pra ser igual ou pra que seja. O que me mantém em pé é, justamente, o quase tudo isso, o quase que sempre foi e o quase de daqui a pouco. É o gosto da lembrança e da iminência. A promessa sempre atual do há ou daqui a. Mas nunca, nunca, nunca, foi. Será?
Onde estão os amigos? Estão por aí,devagar, com paradas, com amor, eles são restos de algo, são quase, aliás, tudo é quase, tudo é resto, tudo é ainda não. Nunca sei se serão ou se sobraram. Então, o desespero, o desespero é justamente não existir um corpo inteiro que se abrace. O desespero é, principalmente, não se ser um corpo inteiro para abraçar. É nunca aprender porque não ensinamos. É nunca copiar porque não estamos. A queda que ninguém segura e nem a gente mesmo. O desespero é, sobretudo, não desistir, não acabar, sequer ser queda. Sequer ser desespero. Desespero é nem isso. Ainda não ser, ainda não ter, ainda não não.

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